Escândalo dos descontos no INSS: documentos revelam pressão da Contag em governos Lula e Bolsonaro
Entidade com mais de 1,4 milhão de beneficiários é alvo da PF por esquema de autorizações falsas; fraudes já estavam em curso desde 2020
Documentos obtidos pela reportagem revelam que a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) intensificou, durante os governos de Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva, as tentativas de flexibilizar as regras para descontos em benefícios previdenciários de seus associados. As ações, agora sob investigação da Polícia Federal, envolvem suspeitas de fraudes em massa com autorizações falsas, conivência de agentes públicos e pagamentos suspeitos a políticos.
A Contag, que representa cerca de 1,4 milhão de beneficiários do INSS, figura como a entidade com maior volume de descontos em folha no país. A PF aponta que a confederação solicitou formalmente, em setembro de 2022 e outubro de 2023, mudanças no Acordo de Cooperação Técnica com o INSS para eliminar a obrigatoriedade da revalidação periódica das autorizações de desconto — o que abriria espaço para retenções permanentes sem novo consentimento dos beneficiários.
Em 2023, já sob o governo Lula, a Contag pediu o desbloqueio de 32 mil autorizações, o que foi atendido no mês seguinte com a liberação de quase 40 mil benefícios — parte deles, segundo auditoria interna do INSS, sem justificativa legal. Apenas 213 beneficiários haviam comprovado as autorizações, conforme relatório técnico. A liberação aconteceu mesmo diante de investigações em curso, o que levou a PF a deflagrar a Operação Sem Desconto, com buscas e apreensões na sede da entidade.
Uma perícia técnica realizada em 2021 já havia identificado falsificações em autorizações atribuídas a um sindicato de Pernambuco. Segundo o laudo, impressões digitais eram ilegíveis e o material era descrito como um “borrão”, sem valor probatório.
Fontes próximas ao inquérito relatam que o esquema funcionava com a participação de políticos, entidades e bancos, que lucrariam com o volume de operações. Um dos principais nomes envolvidos é Antônio Carlos Camilo Antunes, conhecido como “Careca do INSS”, acusado de intermediar acordos ilegais e já alvo da terceira fase da operação, que apreendeu seis carros de luxo em sua posse.
Em mensagens interceptadas pela PF, há registros de transferência bancária de R$ 50 mil a um político não identificado, como parte de uma “mensalidade” paga por uma entidade investigada. A PF também investiga o papel de servidores e possíveis beneficiários dentro da máquina pública.
As investigações apontam para um esquema estruturado de apropriação indevida, que teve continuidade nos últimos dois governos, com fragilidades nos mecanismos de controle do INSS e forte articulação política.
O caso gerou reação da Justiça Federal, que autorizou medidas cautelares e ampliou o escopo da investigação. A Contag ainda não se pronunciou oficialmente sobre as denúncias. O Ministério da Previdência e o INSS disseram que estão colaborando com as investigações.