Congresso retoma debate sobre voto distrital misto em meio a discussões sobre crime organizado e poder político

O Congresso Nacional voltou a discutir a adoção do sistema distrital misto para eleições proporcionais, proposta que altera a forma de escolha de deputados federais, estaduais, distritais e vereadores. O tema ganhou força após a megaoperação contra o Comando Vermelho, no Rio de Janeiro, com parlamentares defendendo o modelo como forma de aproximar o eleitor de seus representantes e reduzir a influência de criminosos na política.
Nos bastidores, porém, o debate revela outras motivações. Integrantes do Legislativo afirmam que o verdadeiro objetivo seria fortalecer o centrão, ampliando o poder das grandes legendas e reduzindo o impacto de “puxadores de voto”, muitos deles influenciadores digitais com discurso antissistema.
Como funciona o modelo atual: sistema proporcional
No sistema proporcional, atualmente utilizado no Brasil, o eleitor vota em um candidato ou em um partido, e os votos são somados para calcular o quociente eleitoral, número mínimo necessário para que um partido conquiste uma vaga. Assim, um candidato com grande votação pode ajudar a eleger outros nomes de sua legenda.
Esse formato facilita a entrada de siglas menores no Legislativo, mas também gera confusão entre os eleitores, que muitas vezes não compreendem por que determinado político foi eleito. Além disso, o voto tende a valorizar mais o desempenho individual do candidato do que o papel do partido.
Como seria o voto distrital misto
O voto distrital misto combina características dos sistemas majoritário e proporcional. Nele, metade das vagas do Legislativo seria preenchida por candidatos eleitos diretamente em distritos eleitorais, e a outra metade seria distribuída conforme os votos obtidos pelas listas partidárias.
Por exemplo, no estado de São Paulo, das 70 cadeiras da Câmara Federal, 35 seriam ocupadas pelos mais votados em seus distritos e 35 distribuídas entre os partidos de acordo com o total de votos obtidos. O eleitor votaria duas vezes, uma no candidato de seu distrito e outra no partido.
O modelo promete aproximar o eleitor de seus representantes e fortalecer as legendas. Contudo, especialistas alertam que ele pode reduzir a presença de minorias e partidos pequenos, já que a disputa distrital tende a favorecer candidatos com mais recursos e visibilidade.
Voto distrital misto e o crime organizado
Defensores da proposta afirmam que o novo sistema ajudaria a barrar a entrada de facções criminosas na política. O Projeto de Lei 9.212/2017, de autoria do ex-senador José Serra (PSDB-SP), foi aprovado pelo Senado e está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. A proposta foi retomada após os recentes episódios de violência no Rio de Janeiro.
Porém, especialistas e parlamentares ouvidos pela Folha de S.Paulo discordam dessa justificativa. Para eles, o sistema não impediria a atuação do crime organizado. A diretora-executiva da Transparência Brasil, Juliana Sakai, afirmou que a solução está no fortalecimento da Justiça Eleitoral e na transparência das contas partidárias, e não na mudança do modelo de votação.
Bastidores e críticas
Nos bastidores, o projeto é visto como uma manobra política do centrão, grupo que reúne partidos de centro e direita com forte influência no Congresso. A adoção do novo modelo poderia ampliar o controle dos grandes partidos e diminuir o espaço das siglas menores.
Outro ponto de polêmica é a definição dos distritos eleitorais, cuja delimitação pode favorecer certos grupos políticos, prática conhecida como gerrymandering, comum nos Estados Unidos. Essa redefinição geográfica poderia distorcer a representatividade, beneficiando partidos que controlam o desenho dos distritos.
O Brasil mantém o mesmo sistema proporcional desde 1932, e várias tentativas de mudança já fracassaram, como o chamado “distritão”, em que apenas os mais votados são eleitos, sem considerar o peso dos partidos.
Próximos passos
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), defende a aprovação do projeto e designou o deputado Domingos Neto (PSD-CE) como relator. O texto precisa passar pela CCJ e, depois, pelo plenário da Câmara. Se houver modificações, voltará ao Senado.
Se for aprovado sem alterações, o novo sistema não valerá para as eleições de 2026, por causa do princípio da anualidade, mas poderá ser adotado a partir das eleições municipais de 2028, inicialmente em cidades com mais de 200 mil habitantes e nas eleições gerais de 2030.
A discussão sobre o voto distrital misto reacende o debate sobre o futuro da representação política no Brasil, entre o ideal de aproximar o eleitor do poder e o risco de concentrar ainda mais força nas mãos das grandes legendas

