Brasil

Correios acumulam 12 trimestres de prejuízo e aprovam plano emergencial para tentar reverter crise

A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos enfrenta uma crise econômico-financeira que se arrasta desde meados de 2022, ainda no governo Jair Bolsonaro (PL), e que permanece durante a gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O cenário já soma 12 trimestres consecutivos de prejuízo e um déficit de R$ 4,36 bilhões apenas no primeiro semestre de 2025.

Em outubro, a estatal iniciou a busca por um empréstimo de R$ 20 bilhões para tentar conter a deterioração do caixa. Nesta sexta-feira (21), a nova direção aprovou um amplo plano de reestruturação e informou que espera concluir a operação financeira ainda neste mês.

O prejuízo em sequência fez com que os Correios registrassem, no ano passado, o primeiro resultado bilionário negativo desde 2016, quando o déficit atualizado chegou a R$ 2,3 bilhões. Em 2024, o prejuízo foi de R$ 2,6 bilhões.


Principais fatores da crise

1. Crescente gasto com pessoal

Os custos com salários e benefícios estão entre os principais motivos do desequilíbrio. Entre 2022 e 2024, as despesas saltaram de R$ 15,2 bilhões para R$ 19,9 bilhões.

A estatal acumulou impactos de reajustes concedidos em diferentes acordos coletivos, incluindo:

  • Reajuste de 9,75%, retroativo a 2021;

  • Reajuste de 10,12%, mais abono de R$ 1 mil;

  • Reajuste de até 6,57% em 2024 e aumento de 30% na base salarial;

  • Reajuste linear de 4,11% em 2025 e gratificação de 70% nas férias.

Somados, esses efeitos elevaram significativamente a folha de pagamento. Apenas no primeiro semestre de 2025, o aumento foi de R$ 547 milhões.

Outro peso veio do acordo firmado em 2024 com a PREVIC para cobrir dívidas do plano de previdência PBD: R$ 2,4 bilhões corrigidos por 349 meses, além de R$ 5,4 bilhões previstos para pagamento futuro.


2. Impacto do programa Remessa Conforme

Criado em 2023, o programa alterou a logística de importações, cobrando imposto de 20% para compras internacionais de até US$ 50 e permitindo que empresas privadas distribuam mercadorias dentro do país, atividade antes restrita aos Correios.

O efeito foi imediato:

  • Frustração de receita estimada em R$ 2,2 bilhões;

  • Queda de R$ 531 milhões em receitas internacionais em 2024;

  • Redução de R$ 1,3 bilhão no primeiro semestre de 2025 em comparação com o ano anterior.

O segmento já representou quase 25% do faturamento da estatal.


3. Queda drástica no caixa

Em 2023, os Correios tinham R$ 3,2 bilhões disponíveis. Um ano depois, restaram R$ 249 milhões, uma redução de 92%.

Para fechar 2024, a estatal tomou R$ 550 milhões em empréstimos, com custo total de R$ 69 milhões em juros. Em 2025, contratou nova dívida de R$ 1,8 bilhão, com juros efetivos de 21,99% ao ano.

A empresa passou a atrasar pagamentos a credores, acumulando R$ 2,75 bilhões em obrigações adiadas.


4. Aumento de precatórios

Os gastos com decisões judiciais explodiram:

  • R$ 485 milhões em 2022

  • R$ 629 milhões em 2023

  • R$ 1,13 bilhão em 2024

  • R$ 1,58 bilhão até junho de 2025

A estatal ainda prevê pagar R$ 913 milhões em 2025 e R$ 1 bilhão em 2026.


5. Unidades deficitárias

Dos 10.638 pontos de atendimento, 85% são deficitários, mas não podem ser fechados por causa do compromisso da empresa com a universalização postal e das regras da União Postal Universal (UPU), que exigem presença nacional.


6. Investimentos mantidos apesar da crise

Mesmo com o rombo, a estatal investiu R$ 830 milhões em 2024 (R$ 1,6 bilhão desde o início da gestão atual), incluindo:

  • 50 furgões elétricos;

  • 3.996 bicicletas cargo;

  • 2.306 bicicletas elétricas;

  • 1.502 veículos para renovação de frota;

  • Manutenção da infraestrutura operacional.


Medidas de reestruturação

O plano aprovado reúne ações de corte de despesas, recuperação de receitas e reforço da liquidez. Entre as iniciativas já anunciadas:

  • Novo Plano de Demissão Voluntária (PDV);

  • Redução de jornada para 6 horas diárias;

  • Suspensão temporária de férias até janeiro de 2026;

  • Retorno ao trabalho presencial;

  • Revisão de contratos e malha logística;

  • Venda de imóveis ociosos (até agora, apenas R$ 2,9 milhões vendidos);

  • Lançamento de marketplace próprio ainda em 2025;

  • Captação de R$ 3,8 bilhões com o New Development Bank (NDB);

  • Otimização da malha aérea e terrestre;

  • Reestruturação da rede de atendimento;

  • Redução de cargos comissionados;

  • Expansão de soluções tecnológicas e iniciativas de sustentabilidade.


Busca por crédito bilionário

O empréstimo de R$ 20 bilhões é visto pela direção como essencial para recuperar liquidez, quitar dívidas anteriores e viabilizar programas como o PDV.


Debate sobre privatização volta ao cenário

Diante da crise prolongada, o tema da privatização ressurgiu nos bastidores do governo. Especialistas, como o jurista Fernando Vernalha, defendem que o assunto deve ser reavaliado com pragmatismo, embora reconheçam desafios, como a obrigação de atendimento a todos os municípios, inclusive regiões deficitárias.

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

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