Brasil

O ministro inimputável

Embora, no Direito, a expressão inimputável se aplique a quem é incapaz de compreender a ilicitude de seus atos para responder por eles, o ministro Alexandre de Moraes é inimputável por outro motivo: nossa incapacidade coletiva de responsabilizá-lo.

Ele, ao que tudo indica, tem plena condição intelectual de saber o que faz e o que diz. O problema é que nós — sociedade, cidadãos e instituições — não conseguimos impor-lhe limites. Sua “inimputabilidade” nasce de um empoderamento institucional que o colocou acima de tudo e de todos.

Um exemplo recente ilustra bem isso: a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), da qual Moraes faz parte, decidiu manter o senador Sergio Moro como réu por suposta calúnia contra o ministro Gilmar Mendes. Moro havia dito, em tom de brincadeira, durante festejos juninos, que daria um jeito de obter um habeas corpus de Mendes para livrar as pessoas da “prisão” da festa.

Mas o que valeu para Moro não valeu para Moraes. Em sessão de julgamento na última semana, o ministro inimputável afirmou que a marcação de um pênalti contra o Corinthians, seu time, teria sido um “assalto à mão armada” do árbitro.

Qual é, afinal, a diferença entre imputar a um ministro ser corrupto e a um árbitro ser assaltante? Se Moraes estava brincando, Moro também estava. É impensável acreditar que o senador quisesse, de fato, libertar alguém de uma prisão de festa junina com um habeas corpus de Gilmar Mendes.

Esse episódio escancara a condição de “café com leite” de Moraes. Cidadãos que expressam críticas nas redes sociais ou na imprensa são frequentemente processados, censurados e investigados pelo ministro, enquanto ele fala de tudo e de todos e permanece intocável.

A chamada Vaza Toga é outro exemplo: Moraes foi acusado de cometer ilícitos contra réus e de perseguir veículos de imprensa de direita. No entanto, em vez de ser investigado, é ele quem pune e investiga o denunciante dos supostos ilícitos, o jornalista Eduardo Tagliaferro.

Na monarquia absolutista, o rei era inimputável por definição — estava acima da lei e não respondia por seus atos. Hobbes sustentava que o soberano não deveria estar sujeito às próprias regras. Esse modelo, que parecia extinto, ressurge quando Moraes assume poderes sem freios.

O absolutismo se sustentava em pactos de obediência: o súdito tinha dever de sujeição, e o soberano garantia a ordem e a paz. Hoje, o pacto é outro: aceitamos a supremacia de Moraes porque temos medo de enfrentá-lo. A sociedade o tolera e renuncia ao próprio direito de responsabilizá-lo.

Assim, Alexandre de Moraes permanece inimputável — não por ignorância da lei, mas porque o país, acuado, esqueceu como aplicá-la a quem está no topo dela.

Fonte: https://www.poder360.com.br/opiniao/moraes-o-inimputavel/?utm_source=whatsApp

Botão Voltar ao topo